sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Diário do Draft - Parte Oito

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Nós deixamos Cleveland Hopkins Airport no início da manhã, aterrisando em nosso destino um pouco antes da hora do almoço. Nós não tínhamos bem certeza se devíamos mesmo ir para Phoenix, mas eu havia convencido o brasileiro que não haveria basquetebol, apenas um encontro com os Suns.

Sob esta condição, ele aceitou tomar o avião.

O guia do Phoenix Suns, um tipo energético e empolgado, nos pegou no aeroporto. Ele se apresentou e falou de sua personalidade, a qual ele se referiu como de uma alegria canina. Ele é contagiosamente estusiasmado. Falando o tempo todo sobre a tal alegria canina e coisas do tipo. Se alguém precisar de uma ajuda extraordinária, chame pela alegria canina. Membros da alegria canina estarão lá para ajudar.

É hora da alegria canina para Leandrinho.

Ele mal pode andar. Executivos da NBA estão ligando para dizer que ele pode nem sequer ser draftado. Nós acabamos de atravessar o país pela manhã e na última hora, na remota chance dos Suns gostarem dele. Na mídia estão dizendo que os Suns prometeram sua escolha para um garoto sérvio chamado Zarko.

Sem vontade, sem glória.

Nós seguimos para o andar subterrâneo da Phoenix Arena. A quadra de treinos está lá no fundo do prédio. Assim que entramos no vestiário, eu começo a pensar que é uma longa viagem de volta para os campeonatos brasileiros. Não existem piscinas de hidromassagem no ginásio de Bauru. Ou de Franca, Ou de Araçatuba. Ou de Piracicaba. Ou de Analândia.

Assim que entra na sala, Leandrinho está certo de que irá fazer apenas uma entrevista. Ele vê o uniforme de treino que a equipe do Suns deixou paa ele numa cadeira, e me lança um olhar que expressa os tipo de coisas que saiu da boca Hubie Brown lá em Memphis.

"Eu não vou treinar para esses caras", diz leandrinho.

Eu só posso responder com um "Ok".

Eu falo com o sujeito da alegria-canina dos Suns, que me coloca em contato com o dirigente dos Suns, Dave Griffin.

"Dave, eu não sei se houve algum engano, mas vocês estão pensando que podem colocar o cara para treinar e colocá-lo de volta no avião, mas eu acho que Leandrinho não tem condições de treinar. Ele sente muitas dores por causa da lesão no quadril".

Griff diz, enquanto eles o chamam, "Bem, ele não pode treinar só um pouco? Você sabe, dar uns arremessar e esse tipo de coisa. Nada muito acelerado."

Eu vou perguntar a Leandrinho, e tenho que encará-lo. Ele está puto. Ele não me olha. Isso não é bom.

"Você acha que pode dar uma treinadinha? Algo leve?", pergunto, torcendo pelo melhor. Eu não preciso esperar por uma resposta.

"Não tem jeito, Dave", eu digo.

"Mas todos os técnicos estão aqui. Bryan está aqui. Jerry está aqui. Todos estão aqui para ver o garoto. Você acha que nós podíamos tentar alongar um pouco para ver se ele fica mais solto para ir para a quadra?", pergunta Griffin. Eu podia ver na sua expressão que ele realmente queria pôr Leandrinho em quadra na frente de seus chefes. Assim como a equipe do Boston Celtics, ninguém esconde o fato de que ele é um fã. Griffin também provou daquela fita milagrosa.

"Eu vou perguntar", disse-lhe.

"Olha, eu acho que você deveria tentar alongar um pouco e ver o que você pode fazer por eses caras. Eles só querem um treino leve, uns arremessos. Nada sério. O fisioterapeuta vai alongá-lo e você se sentirá melhor", eu digo para Leandrinho. A interpretação educada para aquele olhar em minha direção era "caia fora".

Vale mencionar que Griffin está justo ao meu lado quando temos esta conversa, mas ela toda aconteceu em português. Eu não acho que Griffin entendeu a gravidade da situação. Ele está pensando uma coisa, talvez que Leandrinho e eu estamos discutindo sobre loiras ou morenas, enquanto a verdade é que Leandrinho não tem a menor vontade de treinar para o Phoenix Suns.

Eu estou mais preocupado com Leandrinho arrancar minha cabeça fora. É claro, com seu quadril inválido, eu poderia fugir correndo dele. Talvez. De qualquer maneira, estou numa difícil situação. (E as pessoas pensam que ser um tradutor na NBA é puro luxo e glamour. Deixe-me defazer essa idéia agora mesmo!)

Finalmente, Leandrinho olha para cima, mas não para minha cara, e diz, "Eu vou tentar, mas lembre-se que eu estou fazendo isso por você, seu filho da p...".

(Escute, se Leandrinho chegar a liderar os Suns para a glória do campeonato algum dia, e for colocado na roda da verdade ou como você quiser chamar isso, você talvez devesse colocar um asterísco ao lado do seu nome e nas notas de rodapé mencionar minha heróica proeza de fazer este garoto treinar para os Suns. Ele treinou para os Suns, e ele fez isso porque eu lhe pedi! Escreva isso. Se os fãs dos Suns querem mandar-me presentes em agradecimento, eu não sou tão orglhoso a ponto de devolvê-los. Grana é sempre uma boa maneira de dizer 'obrigado'. Contate Harry.

Vagarosamente, e temerosamente, Leandrinho veste o equipamento dos Suns.


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